Uma nova cena, um novo público, uma nova mensagem e uma sobrevida no rap nacional impulsionada por gente que não é assim tão nova. Para o bem ou para o mal, o rap brasileiro não é mais o mesmo. Tem cuíca, pandeiro, fala da favela, fala de amor, fala de tantas aflições do mundo, mas não manda a PM tomar naquele lugar. Fala da cidade, da poesia, canta até em espanhol, mas não canta a ‘vida loka’ do traficante com a mesma intensidade.
A discussão sobre os efeitos desse novo perfil, talvez um pouco menos militante e certamente mais brasileiro e latino, atrai opiniões de todos os lados. Uns gostam, outros vanguardistas torcem o nariz, mas para esclarecer a questão, entrevistamos alguns integrantes da cena nacional – para além do pólo urbano de São Paulo – e reunimos algumas falas de velhos construtores da história do hip hop brasileiro. O resultado disso nós dividimos em dois especiais, e a primeira parte você confere abaixo, enquanto ouve alguns nomes da nova-velha cena do rap: Emicida, Flora Matos, Lurdes da Luz, Projota, Rashid, Slim Rimografia e A Filial.
“O hip hop que há pelo menos 10 anos se dizia underground, é o rap que hoje em dia está em evidência. O Emicida, que começou há uns sete anos atrás, com tudo o que ele conquistou, abriu um leque de possibilidades pra toda uma molecada de muito talento como Flora Matos, Projota, Kamau, Rashid, que estavam fazendo um trabalho muito parecido mas que, ao invés de olhar só pra quem já estava no hip hop, resolveu olhar pra fora e espalhar a idéia do rap de forma mais ampla”, Daniel Ganjaman, do Instituto, à MTV Brasil.
“Eles são muito bons, acima da média, mas o que não entendo é que tem três mil nomes pra falar e a mídia só fala em três. Ninguém dá espaço para gente que está aí faz tempo, como o Dexter ou Realidade Cruel. Acho que há um preconceito muito grande com o rap mais militante. É preciso conciliar esta nova geração com o rap mais combativo”, Mano Brown, do Racionais MCs, à Folha.
“Todo mundo está falando que o rap de agora fala de amor, fala de sentimento, mas pô, o rap sempre falou de sentimento, tá ligado? É a alma do compositor. Mas o que acontece é que agora você tem uma música que é livre, que pode passear por qualquer lado, mas como o rap veio de origem 100% militante as pessoas cobram que continue assim. Mas se o rap continua sendo militante as pessoas ridicularizam o rap. Eu entendo que algumas coisas mudaram, mas do mesmo jeito que eu não posso cobrar que o Chico Buarque seja o Gilberto Gil, eu não posso querer que a Flora Matos seja o Mano Brown. Entende?”, Emicida, à MTV Brasil.
“Antigamente existia essa necessidade de ser agressivo justamente para que houvesse uma aceitação da cultura. Hoje em dia a gente já está quase em 2012 e as coisas estão naturalmente diferentes, não há mais tanta necessidade de aceitação da cultura. Hoje o rap expandiu, seja onde a festa é mais cara, seja onde é de graça, todos estão ouvindo”, Karol Conká – Curitiba, PR, à MTV Brasil.
“Naquela época, a informação não era tão imediata como hoje. Sempre quem tinha um padrão melhor de vida tinha esse acesso, e isso distanciava muito uma pessoa da outra. Ao mesmo tempo, o rap não tinha acesso a algumas coisas e não fazia questão de sair do mesmo lugar. E algumas pessoas tinham receio de chegar no rap, não faziam questão de saber mais. Acho que as pessoas estão começando a perceber que precisamos trocar informações. Se a gente não fizer isso, vamos viver num mundo viciado, e isso não ajuda a evoluir em nada”, Kamau, ao Na Mira Do Groove.
“O que as pessoas têm que começar a assimilar é que o rap é uma variedade musical como qualquer outra e a variedade tem que estar presente nele. É recorrente esse bagulho de só o rap dos anos 90 ter cara feia, criticar o sistema. Pô, a gente também critica o sistema. As pessoas tem que dar essa liberdade pro rap ser livre também. O rap veio brigando com uma par de coisa, tá ligado? Veio brigando por respeito, por espaço, por independência, por construir seu próprio caminho livre de corrupção. E em grande parte das coisas a gente teve vitórias muito honrosas. Então hoje a minha geração pode pegar alguns desses frutos e plantar novas sementes. E acho que é isso que a gente ta fazendo, plantando a liberdade para que a música seja mais livre e melhor”, Emicida, à MTV Brasil.
“O Racionais ter aquela postura e falar o que foi falado naquela época foi mais do que necessário, mais do que importante. Se eles não tivessem aquela postura naquele momento, hoje a gente não teria a possibilidade de abrir a discussão. A forma de lutar mudou, mas a luta ela continua a mesma. Porque a gente não deixa de ser preto, não deixa de ser pobre, as diferenças elas existem e ainda não mudaram. Errado é se o rap virar nostalgia, virar algo que um dia foi o rap, sacou? O rap está aí, está atual, está presente, na atividade, e a maior sagacidade é saber que ele continua evoluindo”, Flávio Renegado, à MTV Brasil.
“Você não para de respirar, de amar, de enxergar as coisas que estão ao seu redor. E tudo isso é rap. Porque rap é uma atitude. Você pode fazer um quadro, uma escultura, pensar no urbanismo de uma cidade com atitude positiva de melhoria para aquela comunidade. E isso também é hip hop. Então, você não para. Você só muda as peças do tabuleiro de lugar”, Criolo, à MTV Brasil.
Matéria de: Guilherme Ribeiro(MTV)
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